"Tu incitas [ao homem] para que sinta prazer em louvar-Te; Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti." (Agostinho)

8 de setembro de 2008

UMA ORAÇÃO NÃO RESPONDIDA POR AMOR A NÓS *

(Mt 26:36-46; Mc 14:32-42; Lc 22:39-46)

“Então, foram a um lugar chamado Getsêmani;
ali chegados, disse Jesus a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou orar. E, levando consigo a Pedro, Tiago e João, começou a sentir-se tomado de pavor e de angústia. E lhes disse: A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai. E, adiantando-se um pouco, prostrou-se em terra; e orava para que, se possível, lhe fosse poupada aquela hora. E dizia: Aba, Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, e sim o que tu queres.” (Mc 14:32-36)
"Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua. Então, lhe apareceu um anjo do céu que o confortava. E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra." (Lc 22:42-44)
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Nos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) temos as narrativas complementares de Jesus orando no Getsêmani. Em vários episódios narrados pelos evangelistas vemos o quanto Jesus era um homem de oração, e oração fervorosa, diga-se claramente. Isso é curioso, pois, se é que algum ser humano pode achar desnecessário orar, esse seria Jesus, pois, afinal de contas ele não só é homem perfeito como também é o próprio Deus, o Filho de Deus. Contudo o vemos constantemente buscando a face do Pai em oração. Jesus orava incessantemente. Orava por horas a fio. Orava especialmente em momentos que antecediam decisões ou acontecimentos importantes.

É inegável que Deus deseja os seus filhos em Sua graciosa presença. Qual Pai, Ele ama ver os Seus filhos se achegarem a Sua face. Ele, como Pai amoroso, se regozija em ver os Seus filhos derramarem seus corações em Sua presença. Se ele se alegra conosco, quanto mais Deus Pai se alegrava em ver o Seu Filho por excelência, Jesus, aqui na Terra voltar-se para o Senhor nos Céus.

Certa vez quando os discípulos pediram a Jesus que os ensinassem a orar ele lhes ensinou por meio do modelo de oração do “Pai nosso” que, embora tenhamos muitas carências e necessidades sentidas, Deus deve ser o centro de nossa oração e não nós mesmos. Ensinou que deve ser feita a vontade de Deus na Terra e no Céu e não a nossa vontade. Se no sermão do Monte (Mt 6:9-15) Jesus ensinou como orar teocentricamente, no Getsêmani ele demonstrou isso na prática até as últimas conseqüências.

Jesus foi ao Getsêmani quando sua prisão já se avizinhava. Ele sabia o que lhe aconteceria. Ele sabia que ele era o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Desde os doze anos de idade, quando foi com seus pais ao templo, ele já havia visto o que isso significava e lá viu os cordeiros sendo degolados e sacrificados a Deus como substituição dos pecados do Povo. E agora era a hora do seu “corpo” tomar o lugar das “sombras” (Cl 2:17) dos rituais antigos. Agora ele iria ser preso, zombado, açoitado sem dó ou piedade; seria levado “como ovelha muda perante seus tosquiadores” (Is 53:7); seria “verme e não homem” (Sl 22:6); os “touros de Basã”, os “cães”, “uma súcia de malfeitores” (Sl 22:12,16a), o cercariam para despedaçá-lo; ‘traspassariam suas mãos e pés’ (Sl 22:16b); ele seria desfigurado como nenhum outro homem (Is 52:14); o Senhor Iahweh, na sua ira, faria cair "sobre ele a iniqüidade de todos nós" (Is 53:6); ele seria “oprimido e humilhado” (Is 53:7); o próprio Iahveh, seu Pai, se agradaria em “moê-lo fazendo-o enfermar” (Is 53:10); logo ele gritaria aquilo que nenhum filosofo, cientista ou teólogo poderá jamais perscrutar: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Sl 22:1, Mt 27:43). Na cruz ele provaria as angustias do inferno. Isso era um grande motivo para que ele temesse e se angustiasse (Mt 26:37), era motivo mais que suficiente para que ele “sentir-se tomado de pavor e de angustia”, pois sua morte seriam uma morte que nenhum ser humano seriam capaz de suportar: provaria a ira finita, embora cruel dos homens; e a ira infinita do Deus justo. Assim, consciente mais do que ninguém daquilo que lhe esperava como ele sempre predisse, ele resolve buscar a face de seu Pai.

Fico tentando imaginar Deus que “é cheio de terna misericórdia e compassivo” (Tg 5:11), vendo Seu Filho Único, eternamente gerado de Sua própria essência, mas agora encarnado como um finito homem, aquele em quem a alma do Pai muito se compraz (Mt 12:18), se achegar a Ele “profundamente triste até a morte” (Mc 14:34) lhe rogando tomado “de pavor e de angustia” (Mc 14:33): “Aba [papai], tudo te é possível; passa de mim este cálice”(Mc 14:36). E de orando intensamente em grande agonia ao ponto de “seu suor se [tornar] como gotas de sangue caindo sobre a terra”(Lc 22:44). Então o Pai lhe dá o silêncio como sua resposta. Embora Jesus estivesse orando em profundo “pavor” e “angústia” ele nunca reivindica, exige ou "toma posse" do que é seu por direito divino, mas faz como ele nos ensinou a fazer: não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26:39) “faça-se a tua vontade” (Mt 6:10; 26:42). Nós sabemos que Deus fez a sua vontade. Jesus foi prezo e tudo que a lei e os profetas falaram sobre ele se cumpriu e nós fomos beneficiados e Deus, em Seu Filho, foi glorificado. Contudo, não creio em um Deus impassível e frio, mas creio que esse momento foi, de alguma forma incompreensível, uma grande "dor" para o Pai ver a agonia de Seu Filho Amado e não lhe atender o clamor.

"Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem." (Hb 5:7-9)

Contudo, fico imaginando, se aquela noção que temos da oração fosse verdadeira. Ou seja, se Deus atendesse a todas as orações; ou mesmo se Deus atendesse a todas as orações apenas dos que têm muita fé e uma vida muito consagrada. Assim, suponhamos se o Pai tivesse se condoído de seu Filho e voltasse atrás no plano que ambos, juntamente com o Espírito, conceberam na eternidade. Se o Pai dissesse para o Filho: “vem para casa, para o teu trono, para a tua glória. Esqueçamos essa idéia de salvação do homem. Afinal, esses humanos não merecem o nosso amor, esse grande sacrifício que eu e tu, meu querido Filho, estamos fazendo. Deixemos para eles mesmos beberem o cálice da minha ira (Sl 75:8; Jr 25:15-16; Ap 14:10). Vem para mim Filho.” O que teria sido de nós? Estaríamos todos no mais profundo inferno, “banidos da face do Senhor e da glória do seu poder.” (2Ts 1:9)

Mas bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que não é um Deus de improvisos, ou um Deus mutável, mas o Deus que faz tudo segundo o seu plano eterno e não conforme a vontade e contingência de suas criaturas. Deus é soberano! Ele não recebe ordens. Ele não muda. Ele não se arrepende como os homens. Ele não é pego de surpresa. Nada escapa ao seu propósito. “Nenhum dos seus planos pode ser frustrado.” (Jó 42.2) O que Deus faz, Ele não decidiu agora, no tempo, mas desde que Ele É, desde que existe, ou seja, eternamente. Também não decidiu baseado na vontade ou vida de Suas criaturas, mas na sua santa, justa e soberana vontade! Ele é Deus!! Por isto Iahweh não responde certas orações, porque é soberano, e porque Ele tem algo melhor para seus filhos.

Por amor, Deus não responde as nossas orações como queremos. Foi por causa de seu amor justo que Ele recusou a oração desesperada de Seu Filho encarnado. Não foi porque Jesus não tinha fé ou porque tinha pouca fé. Não foi porque Jesus não estava com a vida consagrada. Não foi porque Jesus não pediu insistentemente. Mas foi porque não estava em Seu plano eterno, não era a Sua vontade.

No entanto há quem creia e ainda ensine que basta você ter fé ou muita fé, para que sua oração seja respondida imediatamente; ou basta você ter fé e uma vida consagrada, que Deus lhe atenderá. Na verdade o que é ensinado por muitos é que temos direitos diante de Deus e devemos exigi-los e tomar posse deles. Onde está isso na Bíblia? Ouvi um “pregador” orando euforicamente e a igreja repetindo: “Deus, eu quero o meu milagre agora!!!” E repetia: “Agora! Agora! Agora!!!” Esse é o mundo “evangélico”. Onde está isso na Bíblia? Quem ensinou isso a esse povo? Foi isso que Jesus ensinou e fez? Ou é o que Satanás, o pai da mentira, tem ensinado? Onde está a verdadeira e humilde oração: “não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26:39), “faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6:10; 26:42)?

O que a Bíblia ensina é que “esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve.” (1Jo 5:14)

Irmãos, estejamos certos de que Deus nos ama. Assim como temos certeza de que Ele ama o Seu verdadeiro Filho, Jesus, embora tenha lhe recusado suas suplicas, da mesma forma como recusa muitas de nossos pedidos. Devemos aprender com Jesus: que mesmo uma oração feita em fé, por uma vida totalmente consagrada, pode ser recusada. Deus fará a Sua vontade e não a nossa, contudo, a Sua resposta é muito melhor do que aquilo que pedimos. Por amor Ele recusa muitas de nossas orações. Por amor a nós Ele recusou uma fervorosa oração de Seu filho amado.

Aprendamos meus amados irmãos, a orar de forma humilde, mas constante e fervorosamente como Jesus orava. Deixemos Deus ser Deus e sejamos apenas humildes filhos que expõem suas necessidades sentidas diante do Pai, mas aguardando que, em Sua soberana e sabia vontade, Ele nos dê a resposta segundo as nossas reais necessidades, conforme Seu plano.

Bendito seja Deus que não atende a todas as nossas orações!
Louvado seja o nosso Pai, porque não atendeu a oração de Seu Amado Filho, para nos dar “copiosa redenção”, para Sua glória e para que gozemos de Sua presença eternamente.
Aleluia. Maranata! “Amém. Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22:20)

pb. Anderson Abreu

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Adaptada de uma mensagem ministrada por mim no culto de oração de 03/09/2008 na Igreja Presbiteriana de Americanópolis, São Paulo-SP.

29 de agosto de 2008

TUDO EM COMUM - Ricardo Barbosa


No livro dos Atos dos apóstolos há um pequeno trecho que descreve de forma magnífica a natureza e qualidade de vida da primeira comunidade cristã em Jerusalém (At 2.41-47). A descrição é fascinante, impressiona qualquer um que a lê, até mesmo os mais céticos e descrentes. O que vemos ali é o reino de Deus em ação, a concretização da oração que Cristo ensinou: “Venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu...”.

Este relato contrasta com a história de uma outra comunidade (Gn 11.4), que decidiu construir uma torre que alcançasse os céus e fizesse seus nomes célebres e famosos. Falavam a mesma língua e tinham um projeto em comum, mas, em vez de criarem uma comunidade, criaram um altar para sua auto-exaltação. Este relato da Torre de Babel está presente na vida de todos nós. Na educação, política, trabalho e nos púlpitos de nossas igrejas, todos nós estamos construindo nossas torres, empenhados em tornar nossos nomes célebres. Queremos construir nosso próprio reino.

O Pentecostes tornou possível o reino de Deus entre nós. O povo de Atos 2 começa a viver o seu êxodo, dá os primeiros passos rompendo com o jeito que se vivia no “Egito” para viver o novo jeito ensinado por Cristo, e faz isto de forma natural e sincera, impulsionado pelo chamado de Cristo e pelo poder do Espírito Santo. A promessa do Espírito não foi para que os primeiros cristãos tivessem poder para se autopromoverem, mas para reafirmarem os feitos e o caráter de Cristo. Era um novo tipo de comunidade que nascia de um novo tipo de pessoa. Muitas vezes queremos uma igreja diferente que nos faça diferentes, mas não queremos ser pessoas diferentes que constroem uma comunidade diferente.

O relato de Atos nos diz que eles “perseveravam na doutrina dos apóstolos…”, que “diariamente perseveravam unânimes no templo”. Alguns tinham largado tudo e dedicado dois anos e meio de suas vidas para seguirem a Cristo. Eles permaneceram em Jerusalém da ascenção até o Pentecostes aguardando a promessa do Espírito. Era uma comunidade de cristãos disciplinados. A graça não se opõe à disciplina; pelo contrário, é a disciplina espiritual que sinaliza nosso desejo espiritual. A igreja sofre quando tentamos viver sob a direção do Espírito Santo, mas sem disciplina, como também sofre quando tentamos viver com disciplina, mas sem o Espírito Santo.

Era uma comunidade totalmente comprometida em tornar Jesus Cristo conhecido. Tudo nela apontava para Cristo. Suas orações, o partir do pão, o cuidado que tinham para com os outros, sua pregação e seu testemunho, a alegria da comunhão, a renúncia dos bens, enfim, tudo em suas vidas e ações apontava para Cristo.

O Êxodo continua. Estamos a caminho do céu. O testemunho dos dois varões vestidos de branco foi: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). O mesmo Jesus que viveu entre nós, morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa esperança vai voltar e estabelecer definitivamente seu reino entre nós. Enquanto isto, somos chamados para ser sal da terra, luz do mundo e ovelhas no meio de lobos. Olhamos para o mundo, cultura, família, juventude, infância, guerra, drogas, prostituição, violência, desesperança, solidão, desespero, e percebemos que a humanidade precisa urgentemente de uma nova esperança.

O problema é que, quando olhamos para a comunidade de Jerusalém, reconhecemos, lá no fundo, um sentimento ambíguo. É um modelo de comunidade que admiramos, mas não queremos. Admiramos o amor sacrifical deles, mas não é este o tipo de amor que buscamos. Admiramos sua vida abnegada, mas não estamos dispostos a abrir mão do que temos por amor ao próximo. Achamos extraordinário o fato de que tinham tudo em comum, mas não abrimos mão de nosso individualismo. Confessamos a doutrina dos apóstolos, mas a negamos na prática. No fundo, não queremos uma comunidade assim. Mas ela é possível e o mundo anseia por ela.

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Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.


29 de julho de 2008

A IGNORÂNCIA DAS ESCRITURAS E A SEDUÇÃO DOS FALSOS PROFETAS

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"Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo.

Se, na verdade, vindo alguém, prega outro Jesus que não temos pregado, ou se aceitais espírito diferente que não tendes recebido, ou evangelho diferente que não tendes abraçado, a esse, de boa mente, o tolerais." (2Co 11:3-4)
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O Senhor Jesus, antes de iniciar seu ministério público, foi conduzido pelo Espírito ao deserto “para ser tentado pelo diabo” (Mt 4:1). Note que foi o próprio Deus, o Espírito Santo, quem o conduziu ao deserto com essa finalidade. Ao contrário do que muitos imaginam, Jesus não sofreu apenas três tentações, mas diz o texto de Lucas (4:2): durante quarenta dias sendo tentado pelo diabo.” Ou seja, durante todo o tempo, quarenta dias e noites, Jesus foi tentado. Mas aprouve ao Espírito Santo que ficasse relatado para nós apenas as três últimas.

Penso que essas três tentações têm muito a nos ensinar. Vemos nos textos que narram a tentação de Cristo, que Satanás de fato tenta-nos para que não façamos a vontade de Deus, mas a sua vontade. Mas vemos também que a tentação de Satanás é usada soberanamente pelo próprio Deus. Deus nos prova e, para isso, Ele usa até mesmo a Satanás. Deus é Senhor de tudo. “Ele é o cabeça de todo principado e potestade.” (Cl 2:10b) Os caminhos de Deus são misteriosos, ocultos a nossa compreensão: “Verdadeiramente, tu és Deus misterioso, ó Deus de Israel, ó Salvador.” (Is 45:15) Deus se utiliza de tudo para os seus santos e justos propósitos, “Pois até a ira humana há de louvar-te” (Sl 76:10). (confira 1 Samuel 18:10 e 1Reis 22:19-24.)
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O que é interessante em todas as tentações de Satanás, é que, em todas elas, ele instiga Jesus a fazer uso indevido do poder Divino para o Seu próprio benefício humano. Há quem afirme que, com isso, Satanás estava oferecendo um caminho alternativo para Jesus, um caminho que não o levasse ao sofrimento e a cruz. Não sei o quanto dessa inferência pode estar certa, pois o texto não nos diz nada além das próprias narrativas das tentações, mas o fato é que se Jesus aceitasse as propostas satânicas, isso seria uma desobediência flagrante a Deus e uma obediência a Satanás, semelhante a Adão e Eva. Assim, o segundo Adão (1Co 15:45-49) teria fracassado como o primeiro Adão.

Mas o interessante é como Satanás sempre tenta contradizer as Palavras de Deus. Ele enganou Eva contradizendo flagrantemente as ordens de Deus de não comer do fruto da árvore e disse que eles não morreriam se comessem. Mas com Jesus, podemos notar na última tentação (segundo o relato de Lucas), que Satanás foi bem mais sutil, afinal de contras, Jesus era um adversário muito maior e já havia resistido a todas as demais tentações durante quarenta dias. Satanás, então, usa a própria Palavra de Deus para tentar a Jesus. Satanás pega um texto isolado das Escrituras e o aplica de uma forma absoluta e incondicional. Realmente essa, ao meu ver, foi a mais difícil de todas, pois Satanás usa as próprias Palavras inspiradas de Deus (
Sl 91:11-12) e as lança contra o Senhor Jesus a fim de tentá-lo. Mas Cristo vence, como venceu as demais: ‘manejando bem a palavra da verdade.’ (2Tm 2:15).

Porém, o que temos visto hoje em dia nas igrejas, é que multidões são apanhadas por Satanás nessa última tentação. Pregadores se levantam dizendo falar da parte de Deus e citam versos isolados das Escrituras. Satanás dá de presente aos cristãos e “cristãos” caixinhas de promessas onde a Bíblia é retalhada em pedaços, textos são tirados do seu contexto e propósitos iniciais e são oferecidos ao povo que os aceitam sem o menor discernimento. Afinal de conta, é muito mais fácil ler um verso numa caixinha de promessas do que ler textos inteiros da Bíblia em seu devido contexto. Penso que muitos, no dia do juízo, terão uma grande surpresa que a “caixinha de surpresa” não lhes disse, pois, os textos de juízo, também são uma promessa de Deus para os ímpios que deturpam as Escrituras, mas que as “caixinhas de promessas” não têm. (ver 2Pe 3:16-17).

Pregadores se levantam em todos os lugares e igrejas com textos que viraram chavões como: “Tudo posso [ter o melhor emprego, melhor salário, carros, casas...] naquele que me fortalece.” (Fl 4:13) Prometem riquezas, vida tranqüila, sem doenças... para isso basta comprar as “indulgências protestantes” do “papa Edir Macedo” e seus cardeais e Cia-Ltda. Assim diz Pedro: “também, movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias [discimuladas, fingidas]; para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua destruição não dorme.” (2Pe 2:3) E Paulo diz: “...homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro. De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.” (1Tm 6:5)

Esse foi apenas um exemplo de deturpação das Escrituras Sagradas. Seria impossível descrever e refutar todos os disparates que os tais profetas, bispos e apóstolos têm ensinado e prometido ao povo em nome de Deus como se estivessem na Palavra. Prometem o que a Bíblia não promete e proíbem aquilo que ela permite. Mas, muitos, movidos pelos próprios desejos do seu coração enganoso, ouvem o que querem ouvir, pois é do agrado dos seus ouvidos (1Tm 4:3). Muitos, movidos por amor ao dinheiro são pegos pelos exploradores da fé. Outros, que vivem atrás das experiências místicas, são apanhados por todo tipo de excentricidade que daqueles que lhes prometem uma “experiência espiritual”. A Igreja Evangélica precisa acordar desse sono terrível e perceber que isso que tem sido oferecido não é o evangelho de Cristo, nem a Palavra de Deus. A Igreja Evangélica precisa começar a questionar a “infalibilidade papal” desses pretensos pastores, bispos, profetas e apóstolos que torcem a Palavra de Deus e implantam todo tipo de tradição humana. Só porque um texto citado por alguém está na Bíblia, não significa que a aplicação desse texto esteja certa e condizente com o restante das Escrituras.

O que acontece hoje em dia, é que, quando questionamos um ensino, profecia ou práticas, muitos atiram aquela frase em nosso rosto: “cuidado com a blasfêmia contra o Espírito Santo!” Uma aplicação descuidada e fora de contexto do que Jesus ensinou sobre a verdadeira blasfêmia contra o Espírito Santo (Mt 12:31). Esse texto não pode ser usado pela Igreja para acolher heresias e acobertar falsos profetas e milagreiros. A Igreja tem que pôr a prova os espíritos (1Jo 4:1) que falam através de falsos profetas. Mas as pessoas têm andado tão extasiadas pelas experiências místicas e fantásticas e as palavras empolgantes de muitos pregadores que não julgam mais nada. Aceitam tudo que lhes é oferecido, desde que a promessa seja boa ou o pregador seja eloqüente.

Digo mais, a Igreja Evangélica, assim como aconteceu com a Igreja Católica Romana, tem caído sobre a tentação de Satanás. Deus tem provado o seu povo e esse tem sido reprovado. Em Deuteronômio 13:1-5 está escrito: “Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras desse profeta ou sonhador; porquanto o SENHOR, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o SENHOR, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma. Andareis após o SENHOR, vosso Deus, e a ele temereis; guardareis os seus mandamentos, ouvireis a sua voz, a ele servireis e a ele vos achegareis. Esse profeta ou sonhador será morto, pois pregou rebeldia contra o SENHOR, vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito e vos resgatou da casa da servidão, para vos apartar do caminho que vos ordenou o SENHOR, vosso Deus, para andardes nele. Assim, eliminarás o mal do meio de ti.”
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Eu sempre achei esse texto intrigante. Isso porque ele vem antes de Dt 18:20-22, onde diz que, falso profeta, é aquele cuja palavra não se cumpre. Ou seja, o primeiro critério para se identificar um falso profeta não é aquele cuja palavra não se cumpre, mas aquele cuja palavra se cumpre, mas com o seu ensino (promovido pelo sinal e prodígio) contradiz ou ensina algo contrário aquilo que Deus já revelou anteriormente em sua Palavra. Interessante também, é que o texto afirma que é o próprio SENHOR (Javé) quem está provando o seu povo. Os sinais e prodígios na Bíblia sempre tinham a função primária de autenticar e chamar a atenção do povo para um profeta. Foi assim no AT e no NT com Jesus e os Apóstolos (At 2:22 e 4:29-30). O texto de Dt 13:1-5 não explica se o sinal ou prodígios são verdadeiros ou falsos (verdadeiros apenas aos olhos de quem observa credulamente), mas diz claramente que é Deus quem permite ou decreta que isso ocorra para servir de prova (teste) ao povo. Em 2 Tessalonicenses 2:9-12 diz: “Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, e com todo engano de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor da verdade para serem salvos. É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça.” Esse texto também diz que é Deus quem determina que os falsos profetas (aqui o anti-cristo) surjam, façam sinais e prodígios a vista de muitos. Aqueles que ao invés de prestarem atenção a Palavra Revelada e Escrita de Deus, mas sempre são movidos pelo afã do sobrenatural, gostam de ver milagres e onde tem um sinal eles correm atrás deixando a Pura Verdade de Deus na Bíblia. Esses serão julgados e condenados, porque não foram aprovados, não passaram no teste, não eram eleitos. É isso que tem ocorrido no meio cristão. O povo vai atrás dos milagreiros, dos falsos sinais e prodígios e crêem nos falsos profetas sem o mínimo de discernimento para avaliar cuidadosamente se os ensinamentos deles estão de fato nas Escrituras Sagradas. Mas preferem a mentira que é mais fantástica e extasiante. “Como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia”, assim também muitos são corrompidos na sua mente e se apartam da simplicidade e pureza devidas a Cristo. Só porque um pregador tem nome de evangélico, diz ser pastor (se bem que pastor já não tem mais valor. O agora está na moda e impõe respeito são os títulos indevidos de profeta, bispo e apóstolo), usa a Bíblia, fala em nome de Jesus... ai, todos acreditam e seguem. As coisas não são mais julgadas pela sua essência, mas pela aparência e rótulos. Eu nem tenho mais coragem de falar a vontade que sou evangélico, porque tudo tem cabido nesse rótulo, tudo que surge e é inventado de mais extravagante é "evangélico" e ninguém questiona a essência, pois só vivem de rótulos e aparência. Pregam “outro Jesus”, com um “espírito diferente” em um “evangelho diferente” e as pessoas “de boa mente o” toleram simplesmente porque usam as mesmas palavras (Jesus, Espírito, Evangelho, Igreja, Bíblia, Evangélico...), mas com significado e conteúdo diferente ou deturpado. A Igreja Evangélica tem falhado em examinar “as Escrituras todos os dias para ver se as coisas são, de fato, assim.” (At 17:11) A Igreja tem aceitado todo tipo de caricatura do evangelho genuíno, apenas porque se parece com o evangelho. O povo não tem tido discernimento para avaliar as coisas profundamente e pela sua essência. O coração cheio de desejos deturpados e egoístas do povo tem sido preza dos falsos mestres e profetas. Deus tem provado, Deus tem mandado a operação do erro com prodígios e sinais e a “igreja” tem ido atrás dos falsos mestres que falam o que gostam de ouvir e serão julgados se não voltarem para a “simplicidade e pureza devidas a Cristo.”

Mas, em tudo isso, permanecem as belas e consoladoras palavras do Senhor Jesus:

“...surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. Vede que vo-lo tenho predito.” (Mt 24:24-25)

“Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora. Depois de fazer sair todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem a voz; mas de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. (...) Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim... Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. (
Jo 10:2-5, 14, 26-28)

Sola Scriptura! Solus Christus!
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Pb. Anderson J. F. Abreu